Jornal do Almoço
Estou no Cavanhas. Tive uma vontade alucinada de comer um xis português com batata frita. É uma e dezoito da tarde. Esquecei meu caderno em casa. Tive de improvisar minhas anotações costumeiras em um folheto promocional que eu ganhei numa sinaleira. Dou uma conferida no folheto antes de rabisca-lo. É de uma loja de uma loja de autopeças chamada Pedroso. Com dois endereços um em Teresópolis e outro na Ipiranga. Tinha uma promoção em surdinas, autofalantes, rodas e embreagens. Mas de volta à Lima e Silva, onde fica o Cavanhas, tenho de levantar a mão para ser atendido. Os garçons não me deram muita atenção, talvez por eu estar, até então, de cabeça baixa riscando um papel. A logomarca do Cavanhas é um garçonzinho todo de branco e gravata borboleta vermelha carregando uma bandeja com um xis, um chopp e uma porção de batata frita. Na verdade os garçons de lá vestem uma camiseta amarela e um boné azul.
Fiz o meu pedido. Pra beber, um guaraná diet com gelo. Eles não tinham uma rodela de laranja para colocar dentro do copo. Uma frescura que inventaram de uns anos pra cá.
Quando o garçon voltou, trouxe junto com o xis português e a batata frita que é servida por cima do pão, o garçom trás um copo de 250ml servido até a metade com maionese e uma colherinha, dessas de cafezinho, enterrada nela. Não levei muita fé na maionese, mas resolvi arriscar no ketchup. Com os olhos longe das anotações, comecei a observar o movimento a minha volta com mais calma.
Tinha uma televisão onde passava um jogo de futebol da seleção sub-20. Perdiam para a Eslováquia por um a zero. Duas mesas depois de mim, três colegas, de trabalho, é bem provável. Almoçavam algum tipo de xis e dividiam uma coca-cola tamanho família. Pelos trajes, um tanto cafonas, imaginei que fossem estagiários de informática ou engenharia. Não sei porquê eu pensei isso, se foi mesmo a vestimenta, ou apenas um estereótipo impresso escancarado em suas caras. Falavam do jogo do Inter. Me lembrei de quando almoçava com os estagiários do meu antigo trabalho. Nós dividíamos um refrigerante tamanho família também. Os estagiários se levantaram e foram pagar a conta no caixa. Havia mais dois casais nas extremidades do restaurante, mas conversavam discretamente. Não pude ouvi-los nem mesmo fazer qualquer tipo de julgamento deles. É uma mania trouxa, eu sei.
Comecei a prestar mais atenção no jogo. O Brasil empatou. Pensei comigo mesmo que deveria voltar a praticar algum tipo de esporte. Decidi que iria caminhar ao final da tarde.
A porta de ferro do Cavanhas é fechada provocando um rangido violento. Eles já não recebem mais clientes a partir desse horário. No fundo do restaurante dois garçons almoçam um ala minuta e tomam uma coca-cola grande.
Meu guaraná Diet já terminou, fico ainda mastigando um gelo que tem no copo. Retomo as anotações no folheto da Pedroso Autopeças. Escrevo algo que eu julguei ser esperto naquela hora. Uma pequena frase que dizia que os vícios de hoje são diferentes dos de ontem. Sendo os vícios de ontem álcool e tabaco e hoje nossos vícios são colesterol e aspartame. É um pensamento idiota, eu sei. Como se ninguém mais bebesse nem fumasse nos dias de hoje, e como se não tivesse colesterol no tempo da minha vó. Mas de qualquer maneira, o que eu quis dizer é que hoje agente tem meios mais variados de autoflagelação. Colesterol e substâncias cancerígenas são só algumas delas.
Botei meus óculos escuros, que me deixam com cara de mosca, fui até o balcão, paguei e saí. Ao botar o pé na rua, a primeira coisa que vi foi uma placa que dizia “um mundo melhor é possível”. Era do fórum social mundial que aconteceu em Porto Alegre dez meses atrás. Olhei para o céu e vi que o tempo estava fechando.
Acho que não vou caminhar hoje.
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Friday, January 02, 2004
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