Edu e Alice
O Edu já namorava a Alice fazia quase dois anos. A Alice era uma dessas publicitárias super descoladas. Trabalhava na área de planejamento ganhava todos os prêmios da função. Tinha um ótimo senso de humor, inteligentíssima. Era completamente apaixonada pelo Edu. Dava presentes pro cara, gravava CDs com as músicas que ela julgava ter a ver com os dois, não enchia o saco tava sempre um doce. Pelo que soube eles jamais brigaram. Era uma namorada exemplar. Só tinha um único problema. Era feia pra cacete. Nossa. Ela era um dragão, coitadinha. As orelhas de abano, o cabelo ruim, levemente estrábica. A essa altura a beleza (ou a falta dela) em Alice começara a incomodar Edu. Era um fardo e tanto que esse rapaz carregava. Dava para perceber na sua conduta. Os suspiros, as poucas palavras, a timidez para uma troca de afeto em público. Não costumava a ser assim.
Seu caso começou porque Edu estava em uma fase em que a única mulher que lhe dava bola era Alice. Como a solidão já se arrastava por meses resolveu dar uma chance para ela. E como ninguém melhor aparecia acabaram por engatar no namoro. Quando se viu já eram íntimos. Iam ao cinema, jantares fora, as festas do círculo publicitário, dedicações públicas no microfone. Um carinho comovente até certo ponto.
Certa manhã negra de agosto, uma angústia bateu Edu. Ele olhou para o seu lado na cama e lá estava ela. Deitada, dormindo de boca aberta, toda descabelada. Edu olha para o teto e dá um longo suspiro. O despertador toca e acorda a bela adormecida. Edu fecha os olhos e finge estar dormindo. Ela dá um beijo em seu rosto e levanta. Naquela manhã Edu não trabalhou. Ficou na cama por mais uma hora. Nesse período se masturbou pensando em uma amiga de Alice. Que não era muito bonita mas perto de Alice era uma miss.
Durante o banho deixou a água bater forte em sua cabeça por uns trinta minutos sem sequer tocar no sabonete ou no xampu. Deu-se conta de que seu relacionamento não tinha mais sentido. Alguma coisa deveria de ser feita.
Na porta da geladeira tinha um bilhete de Alice preso por um imã em forma do Elvis Presley. Começava dizendo: “Amor,...”. Edu nem leu o resto. Abriu a geladeira e tinha um sanduíche com salada e atum embrulhado em um saquinho plástico e um suco de laranja. Aquelas gentilezas todas já estavam fazendo Edu ficar irritado.
Naquela mesma tarde, quando chegou no escritório mandou um e-mail para Alice. Sem ‘amor’ ou rostinhos sorrindo. Somente um seco e direto “preciso falar contigo mais tarde, me encontra no Osvaldo às 8. Bj Edu.” O ‘Bj’ era para não parecer tão seco. Ele não queria estragar o dia de Alice antes da hora de sua conversa.
O Osvaldo era um restaurante da moda. Chique e moderninho, freqüentado por executivos, metrassexuais, gays, publicitários, modelos e artistas. Um lugar nada reservado ou discreto. Mas as belas mulheres que lá habitavam o ajudariam a fazer o que deveria ser feito. Além disso era perto da agência onde Alice trabalhava.
Quando Alice chegou Edu já estava no segundo chopp. Deu um beijinho em sua boca, se sentou e chamou o garçom pelo nome. Ela já era freguês do lugar. Todos gostavam dela. Era irritante. Ela falou de um cliente novo, as férias que planejava tirar em novembro e depois de falar por todo o tempo que comiam o tradicional filé com risoto ao funghi, ela perguntou a Edu o que ele queria falar. Ele desviou o olhar da loira que estava no bar e respondeu que havia esquecido, que não devia ser nada importante. Durante a sobremesa ela perguntou para Edu se tudo estava bem, pois ele parecia estar um pouco distante, distraído. Ele respondeu que sim, que tudo estava perfeito. Durante o cafezinho não trocaram uma única palavra. Deixaram do restaurante de mãos dadas.
No caminho de volta pra casa o silêncio perdurou por uns 10 quarteirões. Só o que se ouvia era o barulho de rodas sobre o asfalto molhado da chuva. O rádio permaneceu desligado o tempo todo. No décimo primeiro quarteirão Alice resolveu quebrar o silêncio. De voz embargada e os olhos cheios de lágrima pediu para que Edu se abrisse. Falou que ela vinha notando sua crescente insatisfação. Disse que preferia estar sozinha a estar com alguém que estivesse infeliz ao seu lado. Edu ainda com uma angústia por magoá-la suspirava cada vez mais fundo. Finalmente resolveu abrir o jogo e assumir que queria dar um tempo em seu relacionamento. Ambos sabiam o que um tempo iria significar. Ele sabia que depois que ela batesse a porta do carro jamais os dois dariam as mãos novamente. Jamais ele ouviria dedicatórias públicas em um microfone de um prêmio para publicitários. Mas depois que assumira sua infelicidade com o relacionamento também não tinha mais volta. Era aquilo. O fim. O momento que ele vinha adiando por tanto tempo. Alice disse apenas tchau. Não deu beijo de despedida nem lhe desejou nada de bom ou de ruim.
Quando parou o carro na garagem de seu prédio, Edu ficou calado dentro do carro. Suspirou mais uma vez, alisou as mãos sobre o volante e começou a chorar copiosamente. Tirou um lenço do porta-luvas, assuou o nariz, respirou fundo e desceu do carro. Acionou o alarme e foi dormir.
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Sunday, January 04, 2004
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