Friday, September 03, 2004

Meu Amigo Seth



Na minha casa moravam dois colombianos, mais eu e um argentino. Quando Jorge, o bailarino argentino foi embora, entrou no seu lugar um americano chamado Seth. Me disseram que ele vinha da califórnia e que era cineasta-barra-roteirista. Ou algo do tipo. Se mudaria para o apartamento num sábado. O cara se mudou e pelas primeiras duas semanas o cara não aparecia nunca em casa. Ou eu não sabia se ele tava lá ou não - quando eu saía de casa no final da manhã, encontrava a porta sempre fechada, entre os colombianos Gabriel e Mauricio nos fazíamos a piada “Zed is dead, baby. Zed is dead” - citando uma fala de Pulp Fiction. Naquela semana eu achava que o nome dele se escrevia assim. E os dias se passaram. Quase um mês depois do cara ter se mudado para o meu apartamento e eu não tinha idéia de como ele era. Um dia ele saiu do quarto de pijama por volta do meio-dia e eu finalmente pude cumprimentá-lo. Mas logo entrou no banheiro e eu saí para trabalhar. Dois dias depois eu já tinha me esquecido como era a cara do sujeito.



Uma noite, quando eu voltava pra casa do trabalho, me deparei com uma pequena festinha que rolava no apartamento logo abaixo do meu. Botei a chave na fechadura e uma moca que descia do terraço cruzou por mim. Perguntei de quem era a festa e ela me disse que achava que era de um tal Mikey (não sei como se escreve mas ela disse 'Maiqui'). Desci ate o andar de baixo e entrei pela porta que estava destrancada. Perguntei por Mikey, e me perguntaram quem eu era. Disse que era o vizinho de cima e logo me ofereceram uma cerveja. O vizinho me cumprimentou e começou com uma bateria de perguntas sobre quem eram os meus colegas de apartamento e sobre o que nos fazíamos. E eu falei quem eram todos ate chegar em Seth, o cara novo. Disse que fazia um mês que o cara estava no apartamento e que não sabia nada sobre o cara nem mesmo me lembrava como ele era fisicamente. O vizinho, que depois fui saber que não era o Mikey, disse que conhecera o Seth e me apontou para um cara atirado no sofá quase dormindo, com uma latinha de ceva numa mão e um cigarro na outra. “Deixe-me apresenta-los” - falou o vizinho. Era o proprio. Ficamos ali conversando aos berros para ouvir um ao outro, em meio a um festival de musicas soul no máximo volume que um bando de nerds pulavam e se chacolejavam num culto a falta de senso do ridículo. Percebi que aquela altura só haviam três mulheres na festa e elas deveriam de ter sido escolhidas a dedo por serem as mais feias que alguém pode achar em Nova Iorque. Assim, convidei o Seth para cair fora. Mas antes passamos na geladeira, surrupiamos mais duas cervejas do vizinho e subimos para casa. Lá em casa finalmente pude conversar com Seth e descobrir o que o cara realmente fazia. Era um vagabundo. Dormia ate tarde, e depois ia pra casa da ex-namorada, onde estava o seu computador onde ele escrevia. Diz ele que estava terminando um roteiro e que pretendia descolar um agente para tentar vende-lo. Mostrei para o Seth meus filmes e ate um roteiro que eu fiz na universidade. Ele ate hoje não me disse do que se trata o seu roteiro. Pra falar a verdade, duvido que ele esteja ainda escrevendo.



Seth é filho de artistas plásticos. Seu pai trabalhou como construtor em projetos com vários de artistas importantes, como Roy Litchenstein, Robert Rauchemberg e outros que eu não lembro mais o nome. Hoje seus pais moram na Florida e estão envolvido em algum micro-negocio. (ou nenhum negocio, também não me lembro essa parte). O avo de Zeth era um cara muito rico e deixou para ele e pra irmã dele uma boa grana da qual ele vive. Ele ainda fez cursos de cinema na NYU e na New School. Trabalhou em alguns filmes independentes mas nada muito sério. No quarto do Seth não tinha muita coisa além da cama e uma mesinha de cabeceira com uns livros. Porém ele abriu o seu armário e tirou uma câmera digital Cannon muito filha-da-puta. Linda. A essas alturas, Mauricio, que se formou em cinema em Londres e trabalha na área por aqui já está acordado com o barulho da nossa conversa e baba junto comigo sobre a câmera do cara. Fazemos um pacto ali mesmo que teríamos que filmar alguma coisa ainda no verão antes das aulas começarem.



Passaram-se dois meses e ainda não filmamos nada. Porem descobri um amigo gente boa, sempre de bom-humor que acorda e desce a Deli pra comprar o New York Post e ficar comentando noticias absurdas com muita ironia. De qualquer maneira o verão ia passando e eu resolvi cutucar o cara pra ver se agente fazia alguma coisa. Pensamos em fazer um curta em cima de um conto do Bukowski, mas não levamos adiante. Pensei em convidar um pessoal modelo e fazer um vídeo de um amigo nosso que produz umas camisetas, mas passado o entusiasmo das primeiras idéias acabamos por achar que o vídeo ficaria mesmo muito cafona essa idéia também foi abandonada. Outro dia quando voltava pra casa depois do trabalho subia as escadas carregando minha bicicleta no ombro ate o quarto andar quando me encontrei com Mikey. Aquele do andar de baixo. Ele perguntou se eu morava lá. Tive que me apresentar de novo para o idiota. Ele perguntou quem morava ali em cima junto. Perguntou sobre o Jorge. Depois que eu alcancei o quarto andar e pude tirar a bicicleta do ombro perguntei se eles não tocavam numa banda (eu sabia que eles tinham uma banda). Pois bem, Mikey era baterista de uma banda e seu outro colega de quarto também tocava em outra banda. Me ofereci pra fazer um clipe, disse que tinha câmera, material de edição e um monte de idéia maluca. Ele achou legal e disse que ia nos avisar qualquer coisa.



Mauricio e o outro colombiano. Apesar de ser um engenheiro de som formado, sua profissão atual e comandar um bar onde ele e sócio junto com outro colombiano no Lower East Side. O bar se chama Crudo tem sido muito bem freqüentado nesse verão. Semana passada teve uma festa por lá, um DJ com um laptop e umas pick-ups no jardim que fica atrás do bar, todo iluminado com velas e um telão onde passavam vídeos de skate. Ao chegar lá encontrei umas amigas colombianas, duas barangas - se querem saber a verdade. Em seguida chegou o Zeth. Falei pra ele que havia falado com Mikey e que eu tinha nos oferecido pra fazer um clipe. Seth gostou da ideia, ele se entusiasma com tudo. Saímos dali e fomos para um bar búlgaro onde tocava uma musica meio árabe-latina-russa ou tudo o que soar perto a essa mistura, bem engraçado. Um tipo dançava equlibrando um copo na cabeça, outro resolveu equilibrar uma cadeira com a boca. Eu e as colombianas dançávamos de cirandinha.

Na manha seguinte, quando fui buscar uma comida chinesa perto da minha casa, cruzei pelo Mikey na rua, mas ele não me reconheceu.

Noutro dia perguntei pro Zeth como andava o roteiro que ele tava escrevendo. Ele disse que largou o que estava fazendo e começou outro. Fazem três dias que o Zeth não aparece em casa. Simplesmente desapareceu. Hoje paguei minha faculdade e em breve começo a ter aula quase todos os dias. Acho que eu e o Seth jamais vamos fazer aquele vídeo que tínhamos prometido. Que figura.