Tuesday, February 13, 2007

Barulinho

O sonho era tão absurdo que despertou Júlio. E em dez segundos ele não conseguia mais sequer lembrar do que se tratava e mesmo que tentasse não conseguiria mais voltar praquele outro mundo. Abriu os olhos e se concentrou na luz do sol que entrava pelas frestas da persiana desenhando no teto do quarto um tabuleiro de pequenos quadrinhos de sol.

Chamou a atenção de Júlio o silêncio daquela manhã. Nenhum carro passando, nem vento nas árvore, nem mesmo um maldito passarinho, nada. Como se tentasse esticar as orelhas pra fora da janela, Júlio fechou os olhos por dois, três segundos e só então captou um ruído. Uma batida, um ‘toc’, que obedecia um compasso rigoroso – toc, pausa, toc, pausa, toc, pausa, toc. E se percebia que não era de nenhuma ação violenta, de um trabalho braçal, como de um martelo ou qualquer coisa assim. Também não era nenhum tique nervoso de alguém que tomou muita cafeína e fica batendo pé debaixo da mesa. Esse era um ruído suave, calmo, como se houvesse uma sujeira num disco de vinil e toda vez que a agulha passa faz um ‘puk’, dá uma rotação inteira e depois ‘puk’ mais uma vez – só que aqui não tinha nenhum fundo musical.

Sentiu o ruído se aproximando devagar. Muito devagar. Cada vez mais próximo. Lembrou-se da lenda de um velha tortura que consistia em deixar uma torneira pingando a noite inteira na testa de um sujeito. E que diz-se que depois de horas os pingos provocam a dor agonizante de uma marreta. Ou algo assim. Mas não importa - isso é outra história. Toc, pausa, toc – o barulinho não ia embora nunca. Até que não agüentou mais e levantou da cama num pulo. Com um único e raivoso puxão na fita, levantou a persiana – VRRAM! E deixou a luz do sol o cegar por outros três segundos. Três segundos suficientes para perceber que as batidas haviam silenciado. E quando a imagem da rua finalmente tornou-se nítida, ele viu uma pequena senhora curvada, virando com dificuldade o pescoço enrugado para cima para finalmente encarar Júlio. Eles se olham por um, Mississipi, dois, Mississipi... E só então ela vira devagarinho pra frente batendo sua bengalinha no chão. Toc, pausa, toc, pausa, toc, pausa, toc... Júlio vê a velha caminhar mais uns cinco metros e depois fecha a persiana tentando deixar as mesmas frestas que produziam aquele ladrilho de luz no teto do quarto.

Durante um período que não soube determinar, o único ruído que ouviu foi o da fronha do travesseiro roçando no seu ouvido e quando percebeu, não conseguia mais ouvir o ‘toc’ da bengala da senhora curvada. Então, passou a escutar o distinto som de uma vassoura esfregando suas cerdas contra o pavimento. E depois disso não lembrou mais de nada. Caiu no sono e só acordou depois do meio-dia.