Monday, January 26, 2004

É impressionante. Eu gostaria de ter um dia útil a mais. Um dia só pra eu poder fazer tudo o que eu preciso. O problema é que se eu tivesse esse dia, eu ficaria tão a vontade que não consiguiria fazer tudo o que eu tenho pra fazer.

Vagabundagem é foda. O texto a seguir é o relato do fardo que carrego com o peso da glória. Ora, o troféu era pesado pra caralho.


O Dedo atorado

Ontem, enquanto minha namorada me ajudava a arrumar o quarto, aconteceu um pequeno acidente. um troféu caiu de uma estante em cima do meu dedinho do pé. O segundo, logo depois do dedão. Arrancou a unha num único golpe. Eu fi o exato momento em que o troféu decepou o dedinho. Tirou uma tampa. Thufi! E já se era minha unha. Ficou ainda pendurado por um pedacinho de carne. Fiquei tão espantado com a cena que não senti qualquer tipo de dor por uns nove segundos. E aí ela veio. Mordi a mão e deitei na cama cobrindo a cara com o edredom desarrumado. Abafei o grito, que soou grave e. E fiquei lamentando o azar por mais um tempo enquanto minha namorada assoprava o dedinho e limpava com um pedaço de papel higiênico. Nessa hora os pensamentos mais idiotas me ocorreram. "Será que vou ter que dismarcar a festa no Gum?". É óbvio. Liguei para um amigo meu que estava para chegar a qualquer momento e pedi para que troussesse uma tesoura, gase, água oxigenada, mertholate e esparadrapo. O cara se espantou, ia sair correndo de casa. Trinta segundos depois liguei novamente. "Esquece! Eu tô indo pro pronto-socorro".

(continua)

Wednesday, January 14, 2004

O Mundo Cão e a Poesia

Viver é um negócio arriscado. Isso é uma convicção que eu tenho. Nossa vida está sempre a poucos passos de se tornar uma eterna agonia. É verdade. Basta se estar vivo e você já corre pelo menos o risco de morrer um dia. Para não falar de coisas piores que a morte. Sabemos de tudo isso e mesmo assim, quando uma vida se acaba nos causa uma imensa perplexidade.

21 Gramas é um filme que me deixou perplexo. O segundo filme do mexicano Alejandro Gonzáles Iñarritu (de Amores Perros) é pesado. Mostra um mundo onde morte e dor andam de mãos dadas, com um pouco de amor desesperado pedindo passagem. A câmera documental corre por paisagens nubladas em uma fotografia granulada, cinza, escura e fria. E o pior é que isso nos emociona por ser demasiado verossímil. “Parece vida real” foi o comentário de uma moça que eu pude escutar quando saia do cinema.

Iñarritu, apesar de ter escolhido o gênero do melodrama e ter um certo gosto por sangue, sabe agradar o público com sua direção. A montagem em tempo não linear, que chega até a confundir o público no começo do filme, é muito bem amarrada. Naomi Watts, Sean Penn e Benício Del Toro estão impecáveis. E o filme em muitos momentos dá aquele arrepio nos cabelinhos da nuca, sabe? E isso é um ótimo termômetro para o cinema. Não me surpreende se esse for indicado o filme “maldito” do Oscar desse ano.

Quando saí do cinema, eu caminhava com as pernas anestesiadas. Uma mistura de admiração por um cinema tão bacana, inteligente e de verdade, ao mesmo tempo que estava chocado. Como se eu tivesse ouvido uma má notícia. Pensei “é, a viver é um negócio arriscado”. Estava confuso e pessimista. Mas fui salvo dias mais tarde por Woody Allen. Em Hannah e suas irmãs, o personagem de Woody Allen caminha pelas ruas de Nova Iorque desesperado frente a questões que dizem respeito ao fim da vida e um sentido para isto tudo. Ele entra no cinema para esfriar a cabeça. Lá dentro ele se deixa levar pela fantasia enquanto assiste a um filme dos irmãos Marx e tudo fica claro. Vou aproveitar enquanto eu posso.

Monday, January 05, 2004





A Namorada de Henrique

Henrique era foda. Tenho que tirar o chapéu para o cara. Foi dele o golpe mais audacioso e genial que um cara pôde inventar. A Academia dos Caras-de-Pau do Brasil, um grupo de tomadores de cerveja da Cidade Baixa que não devia ter mais de sete membros - comigo incluso - lhe conferiu todos os prêmios do ano de 03. Inclusive o cobiçado canalha do ano.

Vamos falar a verdade. Monogamia nos dias de hoje é um termo quase fantástico. Nenhum homem está livre se deparar com uma situação de traição. E as mulheres também. Somos todos humanos, pô. Mas o mais difícil da história é sair ileso da vida dupla. Tantas chances de tropeçar na língua, e ter desculpas suficientes na manga para as escapadas. Não fácil. Quem já enfrentou a fúria de uma mulher traída não gosta nem de lembrar. Nosso amigo Henrique já passou por essa situação e diz que não é legal.

Já fazia um tempo que Henrique estava solteiro. Passava reclamando:

- É impressionante. Quando tu ta casado elas caem em cima com tudo. É eu ficar solteiro de novo que elas somem.

Mas a seca não durou mais de dois meses. Henrique era um filhadaputa atraente. Tinha uma lábia maligna. Em uma fase comia três na mesma semana sem nenhuma delas desconfiar uma da outra. A Academia apostou que não demoraria pro cara se amarrar de novo.

E aí chegou a Ana Maria. Linda. Do tipo que dá prometer casamento em algum canto exótico e cumprir. Mas Henrique tinha outro plano. Após alguns beijos fogosos, ele a chamou num canto. Olhou para os lados com cara de preocupado e confessou:

- Tenho que ser sincero contigo Ana Maria. Eu fiz uma coisa não muito legal. Desabafou com um suspiro tentando bancar o tipo sensível.
- Fala. Ana Maria se encheu de compaixão.

E largou a mentira brilhante:

- Eu tenho uma namorada.

Ana Maria olhou para os lados um pouco atônita. Olhou de volta para ele ainda séria. Henrique esperou até o tapa. Mas Ana Maria deu uma gargalhada. Henrique fez um “shhh” com o dedo na frente da boca e riram baixinho por mais um tempo. Pediu segredo para Ana Maria. Disse que tinha adorado ela, que se mantessem o segredo poderiam se ver mais vezes.

Trato feito, Henrique saía quase todas as noites. Algumas delas ele reservava pelo tórrido romance com a tal dita amante. Nas outras podia passar o rodo. Quando encontrava Ana Maria em um bar trocavam sinaizinhos e piscadelas. Às vezes falavam baixinho:

- Disfarça que aqui ta cheio de amigas dela.

E se beijavam de porta trancada no banheiro.

Inventou até um nome para a traída. Sabrina. A pobre coitada. O romance durou pouco. Ana Maria cansou da vida de amante e arranjou um namorado.

Abalado, Henrique terminou definitivamente com Sabrina e exigiu que Ana Maria dispensasse o tal pretendente. Mudou-se com ela no ano seguinte para alguma cidade da Espanha de onde não voltaram mais.


Sunday, January 04, 2004

Edu e Alice

O Edu já namorava a Alice fazia quase dois anos. A Alice era uma dessas publicitárias super descoladas. Trabalhava na área de planejamento ganhava todos os prêmios da função. Tinha um ótimo senso de humor, inteligentíssima. Era completamente apaixonada pelo Edu. Dava presentes pro cara, gravava CDs com as músicas que ela julgava ter a ver com os dois, não enchia o saco tava sempre um doce. Pelo que soube eles jamais brigaram. Era uma namorada exemplar. Só tinha um único problema. Era feia pra cacete. Nossa. Ela era um dragão, coitadinha. As orelhas de abano, o cabelo ruim, levemente estrábica. A essa altura a beleza (ou a falta dela) em Alice começara a incomodar Edu. Era um fardo e tanto que esse rapaz carregava. Dava para perceber na sua conduta. Os suspiros, as poucas palavras, a timidez para uma troca de afeto em público. Não costumava a ser assim.

Seu caso começou porque Edu estava em uma fase em que a única mulher que lhe dava bola era Alice. Como a solidão já se arrastava por meses resolveu dar uma chance para ela. E como ninguém melhor aparecia acabaram por engatar no namoro. Quando se viu já eram íntimos. Iam ao cinema, jantares fora, as festas do círculo publicitário, dedicações públicas no microfone. Um carinho comovente até certo ponto.

Certa manhã negra de agosto, uma angústia bateu Edu. Ele olhou para o seu lado na cama e lá estava ela. Deitada, dormindo de boca aberta, toda descabelada. Edu olha para o teto e dá um longo suspiro. O despertador toca e acorda a bela adormecida. Edu fecha os olhos e finge estar dormindo. Ela dá um beijo em seu rosto e levanta. Naquela manhã Edu não trabalhou. Ficou na cama por mais uma hora. Nesse período se masturbou pensando em uma amiga de Alice. Que não era muito bonita mas perto de Alice era uma miss.

Durante o banho deixou a água bater forte em sua cabeça por uns trinta minutos sem sequer tocar no sabonete ou no xampu. Deu-se conta de que seu relacionamento não tinha mais sentido. Alguma coisa deveria de ser feita.

Na porta da geladeira tinha um bilhete de Alice preso por um imã em forma do Elvis Presley. Começava dizendo: “Amor,...”. Edu nem leu o resto. Abriu a geladeira e tinha um sanduíche com salada e atum embrulhado em um saquinho plástico e um suco de laranja. Aquelas gentilezas todas já estavam fazendo Edu ficar irritado.

Naquela mesma tarde, quando chegou no escritório mandou um e-mail para Alice. Sem ‘amor’ ou rostinhos sorrindo. Somente um seco e direto “preciso falar contigo mais tarde, me encontra no Osvaldo às 8. Bj Edu.” O ‘Bj’ era para não parecer tão seco. Ele não queria estragar o dia de Alice antes da hora de sua conversa.

O Osvaldo era um restaurante da moda. Chique e moderninho, freqüentado por executivos, metrassexuais, gays, publicitários, modelos e artistas. Um lugar nada reservado ou discreto. Mas as belas mulheres que lá habitavam o ajudariam a fazer o que deveria ser feito. Além disso era perto da agência onde Alice trabalhava.

Quando Alice chegou Edu já estava no segundo chopp. Deu um beijinho em sua boca, se sentou e chamou o garçom pelo nome. Ela já era freguês do lugar. Todos gostavam dela. Era irritante. Ela falou de um cliente novo, as férias que planejava tirar em novembro e depois de falar por todo o tempo que comiam o tradicional filé com risoto ao funghi, ela perguntou a Edu o que ele queria falar. Ele desviou o olhar da loira que estava no bar e respondeu que havia esquecido, que não devia ser nada importante. Durante a sobremesa ela perguntou para Edu se tudo estava bem, pois ele parecia estar um pouco distante, distraído. Ele respondeu que sim, que tudo estava perfeito. Durante o cafezinho não trocaram uma única palavra. Deixaram do restaurante de mãos dadas.

No caminho de volta pra casa o silêncio perdurou por uns 10 quarteirões. Só o que se ouvia era o barulho de rodas sobre o asfalto molhado da chuva. O rádio permaneceu desligado o tempo todo. No décimo primeiro quarteirão Alice resolveu quebrar o silêncio. De voz embargada e os olhos cheios de lágrima pediu para que Edu se abrisse. Falou que ela vinha notando sua crescente insatisfação. Disse que preferia estar sozinha a estar com alguém que estivesse infeliz ao seu lado. Edu ainda com uma angústia por magoá-la suspirava cada vez mais fundo. Finalmente resolveu abrir o jogo e assumir que queria dar um tempo em seu relacionamento. Ambos sabiam o que um tempo iria significar. Ele sabia que depois que ela batesse a porta do carro jamais os dois dariam as mãos novamente. Jamais ele ouviria dedicatórias públicas em um microfone de um prêmio para publicitários. Mas depois que assumira sua infelicidade com o relacionamento também não tinha mais volta. Era aquilo. O fim. O momento que ele vinha adiando por tanto tempo. Alice disse apenas tchau. Não deu beijo de despedida nem lhe desejou nada de bom ou de ruim.

Quando parou o carro na garagem de seu prédio, Edu ficou calado dentro do carro. Suspirou mais uma vez, alisou as mãos sobre o volante e começou a chorar copiosamente. Tirou um lenço do porta-luvas, assuou o nariz, respirou fundo e desceu do carro. Acionou o alarme e foi dormir.

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Friday, January 02, 2004

Jornal do Almoço


Estou no Cavanhas. Tive uma vontade alucinada de comer um xis português com batata frita. É uma e dezoito da tarde. Esquecei meu caderno em casa. Tive de improvisar minhas anotações costumeiras em um folheto promocional que eu ganhei numa sinaleira. Dou uma conferida no folheto antes de rabisca-lo. É de uma loja de uma loja de autopeças chamada Pedroso. Com dois endereços um em Teresópolis e outro na Ipiranga. Tinha uma promoção em surdinas, autofalantes, rodas e embreagens. Mas de volta à Lima e Silva, onde fica o Cavanhas, tenho de levantar a mão para ser atendido. Os garçons não me deram muita atenção, talvez por eu estar, até então, de cabeça baixa riscando um papel. A logomarca do Cavanhas é um garçonzinho todo de branco e gravata borboleta vermelha carregando uma bandeja com um xis, um chopp e uma porção de batata frita. Na verdade os garçons de lá vestem uma camiseta amarela e um boné azul.
Fiz o meu pedido. Pra beber, um guaraná diet com gelo. Eles não tinham uma rodela de laranja para colocar dentro do copo. Uma frescura que inventaram de uns anos pra cá.
Quando o garçon voltou, trouxe junto com o xis português e a batata frita que é servida por cima do pão, o garçom trás um copo de 250ml servido até a metade com maionese e uma colherinha, dessas de cafezinho, enterrada nela. Não levei muita fé na maionese, mas resolvi arriscar no ketchup. Com os olhos longe das anotações, comecei a observar o movimento a minha volta com mais calma.
Tinha uma televisão onde passava um jogo de futebol da seleção sub-20. Perdiam para a Eslováquia por um a zero. Duas mesas depois de mim, três colegas, de trabalho, é bem provável. Almoçavam algum tipo de xis e dividiam uma coca-cola tamanho família. Pelos trajes, um tanto cafonas, imaginei que fossem estagiários de informática ou engenharia. Não sei porquê eu pensei isso, se foi mesmo a vestimenta, ou apenas um estereótipo impresso escancarado em suas caras. Falavam do jogo do Inter. Me lembrei de quando almoçava com os estagiários do meu antigo trabalho. Nós dividíamos um refrigerante tamanho família também. Os estagiários se levantaram e foram pagar a conta no caixa. Havia mais dois casais nas extremidades do restaurante, mas conversavam discretamente. Não pude ouvi-los nem mesmo fazer qualquer tipo de julgamento deles. É uma mania trouxa, eu sei.
Comecei a prestar mais atenção no jogo. O Brasil empatou. Pensei comigo mesmo que deveria voltar a praticar algum tipo de esporte. Decidi que iria caminhar ao final da tarde.
A porta de ferro do Cavanhas é fechada provocando um rangido violento. Eles já não recebem mais clientes a partir desse horário. No fundo do restaurante dois garçons almoçam um ala minuta e tomam uma coca-cola grande.
Meu guaraná Diet já terminou, fico ainda mastigando um gelo que tem no copo. Retomo as anotações no folheto da Pedroso Autopeças. Escrevo algo que eu julguei ser esperto naquela hora. Uma pequena frase que dizia que os vícios de hoje são diferentes dos de ontem. Sendo os vícios de ontem álcool e tabaco e hoje nossos vícios são colesterol e aspartame. É um pensamento idiota, eu sei. Como se ninguém mais bebesse nem fumasse nos dias de hoje, e como se não tivesse colesterol no tempo da minha vó. Mas de qualquer maneira, o que eu quis dizer é que hoje agente tem meios mais variados de autoflagelação. Colesterol e substâncias cancerígenas são só algumas delas.
Botei meus óculos escuros, que me deixam com cara de mosca, fui até o balcão, paguei e saí. Ao botar o pé na rua, a primeira coisa que vi foi uma placa que dizia “um mundo melhor é possível”. Era do fórum social mundial que aconteceu em Porto Alegre dez meses atrás. Olhei para o céu e vi que o tempo estava fechando.
Acho que não vou caminhar hoje.

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